Histórias das exposições

Anos 2010

Texto por Danielly Tintori, Larissa Megre e Ludiane Reinholz

 

“É o mundo que se organiza para que possamos decodificá-lo ou somos nós que projetamos significado sobre as coisas?”. A partir desse questionamento, a exposição “Horizonte”, aberta em 25 de outubro de 2013, propõe uma reflexão acerca dos processos de construção de identidade individual e coletiva, reunindo trabalhos de quatro artistas negras que, através de narrativas e técnicas diversas, conduzem discussões sobre autoimagem, memórias afetivas e resistência. A mostra marca os 10 anos da lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas, resgatando a importância da herança cultural e social negra na sociedade e nos espaços educacionais.

 

Na série “(IR)removível”, Charlene Bicalho explora a relação da mulher negra com o cabelo crespo enquanto componente de memórias e pertencimentos sociais, guardando mechas em recipientes de vidro como ternos souvenirs.

 

Já na obra de Thais Apolinário, a artista concebe camadas de peles para refletir a conexão com sua ancestralidade. Constituídas de cola PVA e corantes, as películas perpassam por questionamentos como memória, escravidão e colonização.

 

Em “Abre-caminho”, Tatiana Rosa busca a identidade negra através das cores e texturas dos fios de contas, símbolos de pertencimento e resistência da cultura e história afro-brasileira, permeados por questões ligadas às religiões de matrizes africanas.

 

Além das artistas citadas, a exposição contou também com a presença de Luara Monteiro. Assim, ao evidenciar forças convergentes entre trabalhos de artistas únicas, as obras expostas abrem diálogos para com a multiplicidade da negritude brasileira, numa exposição que, a partir de uma história de luta, olha para um horizonte de possibilidades.

 

Anos 2000 (Parte 1)

Texto por Phoebe Coiote e Lindomberto Ferreira Alves

 

Transitando no limiar que faz emergir linguagens e formas híbridas, Rosana Paste, em “Quase mesa, quase prata, quase tudo” (2001), expõe trabalhos oriundos desta zona-limite; proposições entre a escultura e a instalação. Obras em metal, pele de animal e projeções de vídeo compõem uma ambiência que tensiona espacialidade e corporeidade, e junto à elas a expansão das convicções do campo da escultura - nutridas, talvez, pela circulação da noção de campo ampliado, de Rosalind Krauss.

 

Flertando com o caráter processual e colaborativo que perfaz a arte contemporânea, Mara Perpétua, em “Proposta em arte” (2005), confronta-se com as potências contidas no acaso, no acontecimento e na contingência. Proposta que explora as gestualidades da artista - traçadas pelas paredes -, e que a(s) transborda(m), espacializando-se junto ao público. Ações cujos desdobramentos residuais demarcam o gesto no tempo, seus limites e relações com a instância performativa da disponibilidade para o trabalho de arte como ofício diário.

 

Hibridação existencial: é o que parece roçar a poética de Thaís Graciotti, em “Trocas” (2006). Aqui, defrontamo-nos com uma cartografia imagética, atenta aos processos de singularização atualizados nesse hibridismo. É no registro do simples gesto da troca de roupas, que a artista dá a ver, no âmbito prático, a construção da subjetividade na relação com o outro e com o mundo. Simbioses cujas topologias delineiam, de modo sutil, memórias de um corpo que encontra espaço no outro.

 

Requisitando uma relação com a pintura que excede à objetividade representacional a ela conferida, Andréa Abreu, em “Pinturas” (2006), sobrepõe afetos, ressonâncias entre os processos criativos e gestos que compõem paisagens em linhas de fuga. Junto às tintas, a artista entrega-se de corpo inteiro, imprimindo com as mãos e os pés movimentos que se expandem sobre os lençóis, que dispostos uns sobre os outros, testemunham um exercício intensivo com a pintura cuja imprevisibilidade é a única certeza.

 

Anos 2000 (Parte 2)

Texto por Jessica Dalcolmo e Lília Pessanha

 

Em meio a diversas mudanças advindas do início de um novo século, os anos 2000 se estabelecem como uma evolução de numerosas extensões e tecnologias anteriores. Neste sentido, o circuito artístico interpela o desenrolar de outros meios, ampliando nossa percepção instintiva sobre o alvorecer do milênio. Posto isto, destacamos três exposições de artistas mulheres que reverberam a multidimensionalidade das práticas artísticas no Espírito Santo durante esse tempo.

 

Logo de pronto, visualizamos entre o convite da exposição “Fotografias” (2004) e os trabalhos expostos a tênue fronteira do analógico e digital. De filmes negativos convertidos em slides a imagens digitais que, em um olhar poético, perpassam desde o Centro de Vitória até o encontro dos retratos. Tons que variam da escala de cinza ao colorido. Da paisagem ao humano. Assim é o olhar da artista fotógrafa Márcia Capovilla.

 

Um ano depois, em “O olhar Fotográfico". O olhar de Simone” (2005), a atmosfera nostalgia do analógico novamente se faz presente. Simone Guimarães apresenta ao público um mosaico com mais de 1400 fotografias que criam formas e tomam movimentos no cubo branco da Galeria. Entre paisagens e retratos, a artista fotógrafa nos fala de afetos e sentimentos.

 

Na mostra “Pintura e Desenhos” de Nelma Pezzin (2008), a artista mistura a cera de abelha com pigmentos ou tinta óleo, sobrepondo camadas pictóricas com textos, desenhos e gravuras que expressam os limiares sensíveis da intermediação e do compartilhamento do fenômeno estético, mesclando a materialidade da pintura e a linearidade do desenho.

 

Entre pinturas, fotografias e desenhos, as três artistas mulheres evidenciam transmutações resultantes do limiar de um novo século. Em Márcia Capovilla e Simone Guimarães, identificamos resistências no abandono da materialidade contida nos sais de prata da fotografia. Ao passo que, em Nelma Pezzin, a essência dos seus trabalhos se encontra no transitar das fusões dos materiais.

 

Anos 1990 (Parte 1)

Texto por Michele Medina

 

Partindo de sua própria corpulência, a artista Elisa Queiroz apresenta “Objetos Obesos”. O corpo adiposo em discussão, humorada e (quase) erótica, se torna objeto de desejo através de fotografias, onde miniaturas desvendam e passeiam seu seio e umbigo, como um convite ao espectador a também passear pelas suas curvas. Materiais comestíveis, em que desenhos corpulentos parecem saciar e se saciarem da visão do espectador. Na ironia de seus materiais, ludicidade de suas formas e sensualidade de suas cores, a obra de Elisa gera um corpo apetitoso de um novo olhar, de uma nova percepção. Com leveza, mas sem esquecer de confrontar a construção da estética corporal da arte ocidental.

 

Em um tom mais intimista e nostálgico, “Um Resgate da Memória das Coisas”, de Lara Felipe, a questão da memória é posta de maneira delicada, até mesmo, recatada. Objetos e afetos se apresentam pelo espaço expositivo e pedem ao espectador gentileza no olhar, generosidade para os detalhes. Entre flores, vestido de noiva e recortes, a sensibilidade das cores dão ao espaço um ar introspectivo, fazendo do espectador um confidente.

 

Utilidade, praticidade e durabilidade. Com esses três principais atrativos, a artista Juliana Morgado, apresentou o seu objeto (artístico) revolucionário: “Brain Slicer”. Com caixas e sacolas personalizadas, panfletos explicativos, a artista dá (certa) materialidade ao “fatiador de cérebro”, convidando o público a conhecer seu produto. Utilizando da linguagem panfletária, a proposta artística, ocupa o espaço da Galeria e a torna um ambiente para promoção e comercialização do inusitado objeto proposto.

 

As exposições, diferentes em suas propostas, apresentam a diversidade de produção das artistas mulheres do ES no final dos anos 1990, no limiar da virada do século.

 

Anos 1990 (Parte 2)

Texto por Jessica Dalcolmo e Lília Pessanha

 

Com grande expressividade, o cenário artístico capixaba dos anos 1990 foi permeado por notáveis exposições individuais sediadas na Galeria de Arte Espaço Universitário - GAEU. A saber, se fez presente as artistas Nelma Guimarães em “Mostruário” (1990) e Tomie Ohtake com “Pinturas e Gravuras” (1995).

 

Logo de início, o convite de “Mostruário” (1990) da artista plástica capixaba Nelma Guimarães vem a informar ao público a premissa da exposição: uma imagem de um coração onipresente e que tem como finalidade problematizar as relações pessoais e o que há de "doce e áspero" em cada indivíduo, segundo Guimarães. Ao percorrer a mostra, podia-se vislumbrar animais em madeira, cadeiras coloridas, camisas bordadas, telas em tonalidades rosadas e um inusitado manequim que unia dois corações de madeira. Ao conciliar estética com subjetividade [das relações e interpretações], a artista acaba por apresentar um mostruário que abarca acessórios e sentimentos.

 

Em sua passagem pelo Espírito Santo, a artista plástica - de origem japonesa e naturalizada brasileira - Tomie Ohtake nos apresenta em sua exposição realizada em 1995, vinte gravuras em metal e duas telas em acrílico. Segundo o Jornal Informativo Ufes, datado de abril no ano corrente, em suas obras expostas "O amarelo, laranja, pérola, preto, cinza, ocre, rosa e azul, impressas em folhas de papel, não se repetem. A forma, cor e textura são únicas". Seu modo de criação é caracterizado por prévias e estudos até que se chegue à sua execução. Tal rigidez, não vem a tornar Ohtake uma artista racional e vertical, mas em constante movimentação e inquietação. Uma artista que, ao fechar os olhos, cria imagens.

 

É importante destacar que, também nos anos 1990, houve a participação da artista multimídia Lygia Pape em algumas exposições coletivas organizadas pela Secretaria de Produção e Difusão Cultural/UFES, como na mostra coletiva “Papel”, que aconteceu na GAEU em 1995. Anteriormente, em junho de 1981, Pape realizou uma mostra individual, intitulada “Os Ovos do Vento”, na Galeria de Arte e Pesquisa, na capela Santa Luzia, no Centro de Vitória. Relata-se sobre uma memorável instalação em que balões de gás dentro de sacos plásticos ocuparam o espaço expositivo. Especula-se que foi na ocasião desta exposição que a artista doou obras para a coleção da GAP, que hoje é salvaguardada pela GAEU e que aqui exibiremos.

 

Anos 1980

Texto por Phoebe Coiote e Lindomberto Ferreira Alves

 

O que implica uma exposição retrospectiva? No campo das artes, retrospectivas evocam panoramas acerca dos múltiplos deslocamentos trilhados pelas construções poéticas de um determinado artista. Para Fayga Ostrower, em 1984, a retrospectiva dos seus 39 anos de trajetória artística, que aconteceu na Galeria de Arte Espaço Universitário - GAEU/UFES, parece instaurar um olhar mais “sereno” e “contemplativo” sobre o que teria sido uma das principais linhas de força a guiar seu projeto poético, a saber: “a procura de uma carga expressiva mais densa”. Carga oriunda do desvio ao figurativo - justamente por este se aproximar “da realidade através de técnicas documentárias” - em direção à abstração e sua “visão do espaço e a problemática da forma”.

 

Se para alguns dos seus contemporâneos a gravura abstrata configurava “‘traição’ ao conteúdo humano da arte”, Fayga confessa que “ou era este o meu caminho ou nenhum”. Junto a ele, seu saber-fazer é arrebatado pelo fascínio com o espaço, bem como com suas inquietações em relação a forma, o equilíbrio, os intervalos, a escala e a cor, demandando “uma nova adequação entre forma e conteúdo expressivo” - cuja síntese sinóptica manifesta a importância da “linguagem como problema da arte”. O interesse da artista por esses elementos residiria menos na preocupação quanto ao domínio plástico, e mais em suas reivindicações de uma “visão mais lírica do mundo”, cuja densidade estaria implicado em aproximações inacabadas com as alteridades engendradas por ela em seus processos, cognições e subjetividades.

 

Passados quarenta anos de realização da exposição retrospectiva itinerante de Ostrower, na Galeria de Arte Espaço Universitário - GAEU/UFES, e duas décadas de falecimento da artista, seus processos de criação permanecem tensionando prolíficas reflexões a respeito da gravura abstrata no Brasil. Prova disso são as exposições retrospectivas em comemoração ao centenário do nascimento de Fayga, realizadas, respectivamente, entre 2020 e 2021 na Pinacoteca de São Paulo (com curadoria de Carlos Martins) e no MAM-RJ (com curadoria de Beatriz Lemos, Keyna Eleison e Pablo Lafuente). Oportunidades nas quais o público contemporâneo é convidado a experienciar tanto os limites e as possibilidades dessa linguagem, quanto o caráter intuitivo e, ao mesmo tempo metódico, do gesto da inscrição atento aos acasos e as assimetrias do mundo.

 

Referência:

OSTROWER, Fayga. Meu caminho e a gravura. In: MARTINS, Carlos (org.). Ostrower: Exposição Retrospectiva de Fayga Ostrower - Obra gráfica 1944 - 1983 (Catálogo de exposição). Rio de Janeiro: Museu Nacional de Belas Artes & Imprinta, 1983. p. 11-13.

 

Anos 1970

Texto por Danielly Tintori, Larissa Megre e Ludiane Reinholz

 

Desenvolvida a partir da produção de artistas estudantes subsidiadas pela Bolsa Trabalho Arte, inaugurava-se em 1978 a exposição Programa Bolsa Arte 78. Com o intuito de estimular a criação e a promoção da arte como ofício no espaço acadêmico, o auxílio financiado pelo MEC, em parceria com a UFES, criou um vínculo entre a universidade e os trabalhos das artistas, elucidados nessa mostra sediada na reitoria do campus.

 

Entre os nomes selecionados, todos de discentes mulheres, estavam os de Beatriz Hees Alves, Denise Rodrigues Pimenta, Fernanda Lube Modenesi, Kátia Regina Coimbra Persiano, Maria dos Prazeres Brito Menezes, Maria Inês Furtado Araújo Mattos, Marta Baião Seba, Nelma Maria Pezzin, Neusa Mendes, Simone Aparecida de Assis Guimarães, Sônia Maria Ramos e Tereza Cristina Cantarini Bressan.

 

As escolhas plásticas aqui se destacam pela materialidade artesanal das técnicas e pela utilização de suportes como o papel para construção de imagens. Por meio de abstrações e figurações, as obras transitam entre experimentações gráficas que exploram o pigmento e o corpo. Na sequência, apresentamos trabalhos de algumas das artistas que possuem obras no acervo da UFES.

 

No desenho de Denise Pimenta, a coloração cerosa do lápis tece formas volumosas que se entrelaçam a partir de membros geometricamente carnais. Os rostos mitóticos olham para si e para fora, evidenciando uma conexão simbólica e estrutural entre o eu e o outro, o uno e o duplo.

 

Marta Baião evoca nostalgias errantes através de uma figura pueril. Como num jogo metalinguístico, a ação da água no trabalho emula a chuva ali representada, apagando e diluindo memórias de uma época distante.

 

De acordo com matéria publicada na imprensa durante o período de exibição, o contexto de criação da mostra ofereceu um contato incipiente das alunas com o âmbito expositivo, abrindo questionamentos sobre os espaços artísticos disponíveis na universidade. A importância e a demanda de programas de incentivo na graduação, principalmente na conjuntura atual, são profundamente evidenciadas em exposições como essa, de produções feitas por e para estudantes.

 


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